quarta-feira, 27 de junho de 2007

Rodada de Pizza

Faz um tempinho que eu escrevi essa matéria para uma aula da faculdade, no entanto qual foi minha surpresa ao ver que minhas "premonições" estavam no jornal "O Globo" da semana passada. O brasileiro não precisa ser vidente pra concluir que a Rodada de Doha cairia no esquecimento ... estamos mais com o nariz vermelho do que com a bola de cristal.

“Rodada” de pizza. Doha se aproxima do fim, e depois de 7 anos, nenhum acordo firmado.

Ao que tudo indica mais uma vez tudo terminará em pizza. Profecia ou não a história se repete. Depois de 7 anos de negociações acerca da abertura do mercado internacional, a Rodada de Doha parece chegar ao fim sem nenhum acordo firmado e ameaçando a credibilidade da própria Organização Mundial do Comércio (OMC).
A Rodada do Uruguai, precursora de Doha já havia mostrado suas fraquezas. Suspensa entre 1990 e 1991, obteve resultados insatisfatórios, levando a necessidade de outra tentativa de se criar uma regulamentação para a prática do tão sonhado livre comércio.
As negociações de Doha que começaram em 2001 já foram interrompidas em julho do ano passado, em virtude de impasses entre os países participantes, sobretudo, envolvendo Estados Unidos e União Européia, que se negaram a abolir o protecionismo sobre o setor primário e a reduzir significativamente suas tarifas alfandegárias para a entrada de produtos agrícolas das nações em desenvolvimento.
O prazo para o fim das negociações que era dezembro de 2006 não foi concretizado e ao que parece, até o final de 2008, os impasses continuarão. Para evitar discrepâncias no atendimento dos interesses dos países, a Rodada de Doha foi concebida no formato de “single undertaking” (único pacote de medidas), não sendo possível que um país aceite uma cláusula do acordo, e outro não.
No início desse ano, alguns países, dentre eles o Brasil, mostraram interesse em retomar as negociações que agora ocorrem nos chamados “green rooms” - reuniões informais - entre os membros do G-4 (Estados Unidos, União Européia, Índia e Brasil).
Em junho, os interessados correm contra o tempo. Otimistas, eles pretendem que a rodada não caia no vazio e traga resultados reais. Toda a correria se justifica pelo fim da Trade Promotion Authority (TPA), em julho desse ano, que autoriza o presidente dos Estados Unidos a negociar acordos comerciais sem aprovação no Congresso. Os ânimos estariam mais calmos se tudo não indicasse a vitória dos democratas no Congresso. Ferrenhos defensores do protecionismo, eles já afirmaram que vão vetar a renovação da TPA.

Enquanto nenhum acordo é firmado, e o livre comércio parece cada vez mais longe de se tornar realidade, os países têm recorrido a acordos bilaterais para amenizar os efeitos do protecionismo comercial. O próprio Brasil, tem voltado sua atenção para o Mercosul e os países do G-4.

Mercosul: entrave ou solução?

Enquanto alguns apostam nos acordos bilaterais como solução para a entrada de seus produtos no mercado externo, esses parecem afastar cada vez mais a concretização da pretendida liberalização do comércio internacional. A abertura do mercado mundial é uma via de mão dupla que obrigaria não só os países desenvolvidos a diminuírem suas tarifas alfandegárias e retirarem o protecionismo aos agricultores, como também sujeitaria os países do G-20 (países em desenvolvimento) a retirarem por completo suas taxas sobre os produtos importados. O impasse surge então, quando o Brasil, fazendo parte de uma união aduaneira (Mercosul) tem por dever, adotar uma tarifa externa comum (TEC) com os países não-membros do bloco. Sendo assim, só resta ao Brasil duas soluções para que o país não caia na incoerência: negociar com os outros países do bloco a redução das tarifas dos artigos exportados para o mercado internacional, o que esbarraria nos interesses dos outros países, sobretudo Venezuela e Bolívia, ou a saída do bloco, o que não é interessante ao país, que também vê no Mercosul, uma estratégia para fortalecer sua competitividade no mercado mundial.

Liberalismo: solução ou mal de séculos?

Adotar ou não o liberalismo em suas economias é um tema que gera muitas divergências não somente entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, mas entre países de dentro dessas próprias repartições. Exemplo disso, são o Brasil e a Índia. Enquanto o primeiro quer a liberalização do mercado, o segundo quer proteger sua agricultura. Estados Unidos e União Européia também entraram em discussão recentemente, uma vez que a UE acredita que o compromisso dos EUA de reduzirem em US$ 5 bilhões os subsídios agrícolas ainda é insuficiente frente ao “esforço” da União Européia.
Ao que parece, ser a favor ou contra, é uma questão de contexto. Ainda que os vilões da rodada pareçam ser Estados Unidos e União Européia, os países em desenvolvimento também não reconhecem que ainda protegem o acesso ao seus setores de serviços e industrial. O próprio Brasil tem ido contra a liberalização. Exemplo disso, é a Lei de Informática, de 1984, que criou uma reserva de mercado para fabricantes nacionais de produtos de informática. Ou ainda o ato recente do governo Lula de elevar a tarifa de importação sobre calçados e indústria têxtil, de 20% para 35%, como forma de proteger esses setores da forte valorização do real.
As discussões internas têm atravancado a pauta no país. Enquanto alguns acreditam que o livre comércio mundial levaria o Brasil a cair em desgraça, com o desequilíbrio da balança comercial devido ao aumento das importações e a ausência da capacidade de competir no mercado externo. Outros vêem a abertura como uma conquista para o que o Brasil consiga vender o que possui de “melhor”, os produtos agrícolas, e comprar mais barato aquilo que não produz, ou não tem, como a tecnologia e alguns componentes industriais.
Discussão vai e vem, anos passam e quem continua sofrendo com o imobilismo político é a população mundial. Apelidada de “Rodada do desenvolvimento”, a Rodada de Doha surgiu com o intuito de diminuir a pobreza mundial, mas a cada ano que passa a realidade é bem diferente. Todo o discurso da erradicação da pobreza é muito engajado, no entanto, parece que esse motivo foi deixado de lado na briga de poder entre as nações. E o que dizia respeito a toda a população mundial hoje tornou-se arena de luta de oligarquias políticas. Com o atual cenário da economia mundial, agricultores dos países desenvolvidos sairão ganhando com a ausência de concorrência. Quem sempre paga o pato é o povo, que continua a se ver em meio as mesmas condições de séculos atrás quando o mercantilismo determinava que colônias eram importadoras de manufaturados e exportadoras de produtos agrícolas para suas metrópoles.
Todo essa herança histórica não conclui que o liberalismo seja algo positivo. Em se tratando de Brasil deve-se levar em consideração que é um país com inúmeros contrastes internos, o que dificulta a decisão pelo sim ou não a abertura comercial. Além disso, no cenário mundial poderíamos afirmar que alguns países com condições de concorrer se beneficiariam desse mercado sem fronteiras, mas outros não. É que muitos países ainda carecem de pré-requesitos básicos para concorrerem igualmente no mercado internacional, como tecnologia e mão-de-obra qualificada.


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